sábado, 9 de janeiro de 2010

MEMORIA - "4. O terceiro exílio"


4. O terceiro exílio
Depois de uma recepção formal e um pouco tensa, no aeroporto da cidade do Panamá, presentes Omar Torrijos e Manuel Noriega, os asilados fomos transferidos para duas pequenas cidades do interior, Chitré e Las Tablas, cabendo ao meu grupo esta última. Eu estivera praticamente desaparecido, desde 11 de setembro, dando margem, inclusive, a que se espalhassem rumores sobre meu fuzilamento no Estádio Nacional. Em Las Tablas, retomei contacto com o mundo exterior e, ao cabo de poucos dias -ante a confusão que reinava entre as autoridades panamenhas, em relação ao tratamento a ser dado aos asilados- me transferi, por iniciativa própria, para a cidade do Panamá, onde amigos de diversas partes, principalmente do México, me fizeram chegar algum dinheiro. Eu havia deixado o que tinha com os companheiros chilenos e viajara com cerca de quarenta dólares que Carmen, que havia sido minha empregada doméstica, me habia passado, depois de converter no câmbio negro todas as suas economias. Essa foi uma das manifestaçôes mais comoventes de solidariedade que recebi, então, da parte de chilenos humildes, mas conscientes e combativos.
O Panamá não podia ser mais do que um ponto de passagem. Minhas prioridades, quanto à destinação futura, eram, nesta ordem, a Argentina, pela proximidade com o Chile, e o México, por razôes sentimentais. Mas, naturalmente, não me encontrava em posição de fechar porta alguma, razão pela qual não freei as iniciativas que, em vários países, começaram a tomar amigos, companheiros e colegas. Como as gestôes para entrar na Argentina se prolongaram, até gorar, e as relativas ao México foram também demoradas, acabei por ficar no Panamá até fins de janeiro de 1974, sendo um dos últimos a deixar o país.
Esse três meses permitiram-me sentir a impressionante solidariedade dos meus amigos, particulamente mexicanos, venezuelanos e italianos, e, ao mesmo tempo, constatar -não sem surpresa- o prestígio de que eu desfrutava na América Latina e na Europa. No México, mobilizaram-se ativamente Neus Espresate, Eugenia Huerta (filha do poeta Efraín Huerta e que trabalhava em Siglo XXI), Carlos Arriola (aluno meu no Colégio, do curso de 1966, e, na época, secretário geral da instituição), Mario Ojeda Gómez, Luís Hernández Palacios, José Thiago Cintra, entre muitos; dali recebi ofertas de trabalho -para valer ou, em alguns casos, para facilitar o visto de entrada- de Víctor Flores Olea, diretor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais, de Leopoldo Zea, diretor da Faculdade de Filosofia e Letras, de José Luís Ceceña, diretor da Escola Nacional de Economia, e de Raúl Benítez, diretor do Instituto de Investigaçôes Sociais, todos da UNAM, e, pelo Colégio, de Mario Ojeda e Carlos Arriola - tendo o Colégio trabalhado também a possibilidade de me incluir num programa cultural de Televisa, ao que concorreriam J. A. Salk, Jorge Luís Borges, Jorge Sabato, Jacques Cousteau e outros. Nas gestôes junto a Gobernación, para a obtenção do visto, foi Flores Olea quem demonstrou mais força e, por isso, ao dirigir-me mais tarde ao México, meu destino acabou sendo a Facultad de Ciencias Políticas y Sociales.
Os venezuelanos também se empenharam. Começando com iniciativas de José Agustín Silva Michelena, de grande coração, e de Armando Córdova, companheiro de andanças por Dakar e Roma, seguiram-se logo convites formais de Maza Zavala, diretor da Faculdade de Economia da Universidade Central, e das universidades de Mérida e Zúlia (Maracaibo). Na Argentina, a principal ação coube a Enrique Oteiza, de CLACSO, resultando em um convite para a Universidade del Sur, em Bahia Blanca. Vale também registrar a solidariedade de Orlando Fals Borda, que dirigia ROSCA, na Colômbia.
Na Itália, os amigos que mais se esforçaram foram Rossana Rossanda e Laura Gonsález, que traduzira meu livro para a Einaudi e com quem eu mantinha nutrida correspondência, mas que só depois vim a conhecer pessoalmente, quando me impressionou por sua inteligência, entusiasmo e calor humano. De lá me chegaram convites das Universidades de Roma (Sylos Labini), de Siena e de Módena. Da França, a Universidade Paris VIII (Michel Beaud) e X (René Rémond) deram também sua contribuição, juntamente com a Paris I. Entretanto, a oferta mais insistente e interessante, quanto aos aspectos financeiro e de documentação migratória, partiu espontaneamente de Otto Kreye, do Instituto Max Planck, de Starnberg, perto de Munich, que eu encontrara em Dakar e que conhecia, por isso, Dialéctica de la dependencia; con Jürgen Heinrichs e Folker Fröbel, ele constituíra um núcleo de pesquisa, que publicaria, em 1977, o livro A nova divisão internacional do trabalho. Paralização estrutural nos países industrializados e industrialização dos países em desenvolvimento. Foi para lá que segui, ao deixar o Panamá, por razôes que não cabe explicitar aqui.
Antes de fechar o parênteses panamenho, convém, entretanto, fazer um par de observaçôes. A situação política que vivia o país, com Torrijos, implicou uma boa acolhida aos asilados, junto ao desejo indisfarçado de que nos fôramos. Enquanto ali estive, foram limitados os contactos formais com a universidade - uma ou outra conferência - de tal modo que o acontecimento acadêmico marcante, nesse período, foi minha participação, com Vasconi e outros, no Seminário sobre Aspectos Econômicos, Sociais e Políticos do Investimento Estrangeiro na América Central, promovido pelo Programa Centro-Americano de Ciências Sociais e pela Fundação Friedrich Ebert, em La Catalina (Costa Rica), em novembro de 1973. O fato merece registro, principalmente porque, nas conversaçôes com os funcionários da Ebert, ficou claro para mi o interesse da social-democracia alemã na intelectualidade de esquerda latino-americana, assim como o trabalho que, para atraí-la, ela desenvolvia, através de CLACSO. Posteriormente, com o encontro que promoveu em Colônia Tovar, na Venezuela, em 1975, entre as principais forças da esquerda chilena, excluídos o PC e o MIR, o cunho político da ação social-democrata ficou perfeitamente definido. Essa ação viria a dar frutos significativos, na segunda metade da década.
Independentemente da atitude oficial, a receptividade dos intelectuais panamenhos aos asilados foi cálida. Entre os que conheci, então, e que contam hoje entre meus amigos, é justo destacar Julio Manduley, Marco Antonio Gandásegui, Javier Goroztiaga e Griselda López. Junto ao exemplar companheirismo dos asilados que ali estiveram, isso tornou mais do que suportável a minha estada no país.
A 30 de janeiro de 1974, parti para Munique, onde tive a grata surpresa de, além de Otto Kreye, encontrar Antonio Sánchez e Marcelo García - que, assim como Gunder Frank, haviam sido também convidados pelo Max Planck. Com eles, estava Dorothea Mezger, meiga e inteligente, cuja pesquisa sobre o cartel internacional do cobre resultaria, alguns anos depois, em um livro excelente, a qual me hospedou em seu apartamento, durante minha estada em Munique.
Integrando uma ótima equipe e contando com uma infra-estrutura de trabalho sem paralelo com as que tive antes e vim a ter depois, devo reconhecer que meu rendimento intelectual foi baixo, no período seguinte. Afora a participação em seminários, inclusive em um que realizou a equipe do Max Planck em setembro, em Starnberg, e a realização de conferências, foi pouco o que produzi ali. Além dos dois ensaios sobre o Chile, já mencionados, e o prefácio à 5a. edição mexicana de Subdesarrollo y revolución, minha produção se limitou a colaboraçôes menores -em geral. relacionadas com o Chile- para revistas e jornais, assim como entrevistas (das quais, só vale a pena mencionar a que publicou Il Manifesto, de Roma, no aniversário do golpe chileno, com o título "Reazione e rivoluzione in Cile").
Concorreu muito, para isso, o amplo movimento de solidariedade à resistência chilena, que constituiu fato marcante na vida política européia, naquela metade de década, e que me convocou, sem admitir reservas. Até princípios de 1977, foi-me impossível estabelecer um plano de trabalho e dedicar razoável atenção à minha vida pessoal e profissional. Movendo-me sempre por toda a Europa e entre esta e a América Latina, fui forçado a enfrentar situaçôes inesperadas e, às vezes, verdadeiros desafios -como a de ser o principal orador no comício que reuniu, em Frankfurt, por ocasião do primeiro aniversário do golpe chileno, cerca de trezentas mil pessoas, provenientes de toda a Alemanha. Correspondência dessa época, subtraída a agentes do extinto CNI e à qual tive depois acesso através de Líbio Pérez, diretor da revista Página Abierta, de Santiago, mostra o quanto minha atividade incomodava à ditadura chilena: um memorando de fins de 1975 (em todo caso, posterior a 22 de dezembro), relativo ã queda de um correio do MIR na Argentina, refere-se a uma suposta viagem minha a esse país, para entrevistar-me com Edgardo Enríquez, irmão de Miguel e então dirigindo as atividades dessa organização no exterior, e pede providências para capturar a nós dois. O trágico desaparecimento de Edgardo, um ano depois, em Buenos Aires, fala eloquentemente do que teria significado para mim cair em mãos do serviço secreto do Chile.
Até que ponto eu me tornara popular, nos círculos da esquerda revolucionária européia, deu-me a medida Laura Gonsález, quando nos conhecemos. Contou-me, então, que, encontrando-se em Turim, soube que eu pronunciaria ali uma conferência sobre o Brasil e compareceu ao ato, a fim de conhecer-me pessoalmente. Surpreendida já com a ambigüidade da intervenção do conferencista, que combinava radicalismo verbal e proposiçôes políticas duvidosas, surpreendeu-se ainda mais quando, ao ser abordado, depois da conferência, este a tratou de maneira escorregadia e nervosa. Laura telefonou, então, a Rossana Rossanda, em Roma, narrando o ocorrido e perguntando-lhe se eu era alto, moreno escuro, etc., recebendo, é claro, resposta negativa. Tendo em vista os manejos escusos que a Embaixada brasileira vinha realizando na Itália, ambas concluíram que se tratava de uma farsa armada por esta e se apressaram a comunicar a impostura à esquerda italiana.
Apesar de haver produzido pouco, esse foi um período em que as publicaçôes dos meus textos se multiplicaram, muitas vezes sem que eu disso tomasse conhecimento. Além da 5a. edição de Subdesarrollo y revolución e sua tradução ao italiano e ao português, sairam também as traduçôes alemã, italiana, holandesa e portuguesa de Dialéctica de la dependencia, enquanto vários trabalhos meus, referidos maioritariamente ao Chile, se editavam, formalmente, na Alemanha e na Argentina e, informalmente, na Escandinávia, nos Estados Unidos, no Canadá e em países da América Latina.
Arrastado nessa voragem, a minha desestabilização teria sido completa se, em setembro de 1974, eu não tivesse viajado ao México, para assumir ali o cargo de Professor Visitante, que me oferecera a FCPyS, e que implicava minha adscrição, como pesquisador, ao seu Centro de Estudos Latino-Americanos. No aeroporto, teve lugar um incidente que merece registro. Após retirar minha bagagem, dirigia-me aonde estavam os fiscais aduaneiros, quando um rapaz, bem vestido e de boa aparência, parado em uma zona mal iluminada, depois de me encarar fixamente (como se me comparasse à fotografia que, sem dúvida, memorizara), me fez sinal para que me detivesse ali. Enquanto eu abria as malas -que ele tornava a fechar, sem se dignar sequer a olhá-las- o jovem, com essa cortesia ameaçadora em que os mexicanos são mestres, me manifestava a satisfação do México e a sua própria pelo meu regresso à UNAM (a que eu não tinha feito referência), já que teria a honra e o prazer de ser ali meu aluno. Na realidade, nunca mais o vi. Era um agente de Gobernación, que -no bom estilo mexicano- ao mesmo tempo que me poupava dos trâmites alfandegários, me advertia de que o governo estava a par da minha chegada e acompanharia os meus passos com atenção.
Dividi minhas atividades profissionais entre a UNAM e o Max Planck, até meados de 1976, quando renunciei a este para fixar-me exclusivamente no México. Ali, em meio ao torvelinho em que vivia, assumi algumas iniciativas, que se revelaram depois produtivas. A mais relevante foi a fundação, ainda em 1974, deCuadernos Políticos, que exerceria influência marcante na intelectualidade mexicana, até ter sua publicação suspensa, em 1990. Surgida graças ao impulso de Neus Espresate, que a ela dedicou o melhor do seu entusiasmo, inteligência e notável sensibilidade, a revista reuniu um grupo brilhante de intelectuais, formados ao calor do movimento de 1968, em que se destacavam Carlos Pereyra, Bolívar Echeverría, Rolando Cordera, Arnaldo Córdoba e Adolfo Sánchez Rebolledo; escaldado pela experiência que eu vivera anteriormente no país, só alguns anos depois permiti que meu nome fosse incluído no comitê editorial. Este sofreu, com o tempo, modificaçôes, correspondentes a defecçôes e à inclusão de novos membros, entre eles, Asa Cristina Laurell, Rubén Jiménez Ricárdez, Olac Fuentes e Héctor Manjarrez.
O cuidado em mencionar os integrantes do comitê justifica-se pelo fato de que, à diferença do que ocorre nesse tipo de publicação, ele funcionava como uma verdadeira equipe de trabalho, com reuniôes semanais que se adentravam pela noite, fazendo da revista um produto realmente coletivo. Partindo de uma aparente unidade ideológica, não tardariam a se apresentar tendências diferentes, que chegaram, às vezes, ao ponto de ruptura, mas encontraram sempre a fórmula adequada para assegurar o funcionamento do grupo. Mérito especial cabe nisso a Neus, cuja firmeza de princípios aliava-se a uma excepcional delicadeza no trato. Essa dinâmica prenhe de contradiçôes, ademais de se constituir num exercício de convivência democrática, deu um resultado positivo: longe de ostentar o monolitismo sufocante da maioria das revistas marxistas, Cuadernos soube ser um órgão estimulante e flexível, que abriu espaço a novas idéias e a novos autores, arejando o clima intelectual da esquerda mexicana.
Ainda em 1974, iniciei, na UNAM, um trabalho extremamente fecundo. Em um seminário de doutorado sobre Economia e Política na América Latina, reuniram-se em torno a mim estudantes valiosos, da FCPyS e da Escola de Economia. Ali conheci, entre outros, Esthela Gutiérrez Garza, que viria a ser minha principal assistente de docência e pesquisa e que, uma vez doutorada, tornou-se excelente especialista em questôes de economia e sociologia do trabalho, assim como Lucrécia Lozano, atualmente diretora do CELA da FCPyS.
Paralelamente, atendendo a solicitação de Flores Olea, assumi um curso para estudantes de graduação, os primeiros que egressavam dos Centros de Ciências e Humanidades (CCH), criados após 1968 e cujos professores -em geral, participantes do movimento- os haviam motivado politicamente, induzindo-os à rebeldia sistemática. Suspicazes, a princípio, os rapazes logo se constituíram em um grupo entusiasta, que inundava a sala de aula com a sua inquietação intelectual e política, levando-me a ministrar um dos cursos mais gratificantes da minha carreira como professor. Com eles, em especial com os mais destacados, pude realizar uma experiência única em minha acidentada vida docente: acompanhar estudantes do começo ao fim do seu curso; assim, ministrei-lhes História Mundial I e II, iniciando-os à teoria e metodologia do materialismo histórico; um seminário de dois semestres sobre O Capital e outro sobre a América Latina, concluindo com dois semestres de laboratório ou oficina, de que saíram interessantes relatórios de pesquisa, muitos deles servindo de base para suas teses de graduação, realizadas em sua maioria sob minha orientação.
Entre os estudantes que mais se destacaram, é justo mencionar Guillermo Farfán, Adrián Sotelo, Arnulfo Arteaga (todos colaboradores meus, mais adiante, e hoje professores universitários), além de Ivan Molina, Victor Escobar, Abel Jiménez, Carlos Flores, Jaime Rogerio, entre outros. Suas teses se constituíram no aprofundamento enriquecedor de questôes levantadas em Dialéctica de la dependencia, em particular uma metodologia para a determinação do valor da força de trabalho e sua aplicação ao México; um estudo de caso sobre o processo de trabalho e as formas de prolongação da jornada em uma fábrica de tijolos, que punha em evidência a combinação entre a mais-valia absoluta e relativa; e uma pesquisa sobre o setor de manutenção e reparação de máquinas da empresa Ferrocarriles Mexicanos, que revelava interessantes combinaçôes de modos de organização produtiva, que integravam métodos artesanais, manufatureiros e fabris, além de avançar de forma apreciável no estabelecimento de uma metodologia para o estudo da intensidade do trabalho. Fora desse grupo, dirigi teses de graduação sobre a acumulação de capital no México, na Faculdade de Ciências Políticas e Sociais; sobre a superexploraçào da força de trabalho feminina, sobre o padrão de reprodução do capital no Chile e sobre a teoria das crises, na Escola Nacional de Economia, e sobre a relação entre organização sindical e sistema de poder no México, na Escola Nacional de Antropologia e História. Sem relação direta com minhas preocupaçoes imediatas, coube-me ainda orientar, na UNAM, teses de graduação sobre a estrutura agrária no Panamá, na FCPyS, e sobre a filosofia da praxis, tema caro à Faculdade de Filosofia, além de uma sobre o processo político latino-americano, no Colégio do México. Todas foram defendidas a princípios dos anos 80. Ao lado delas, ficaram pesquisas cujo destino ulterior em geral desconheço, mas que eram interessantes contribuiç es à economia do trabalho, versando sobre a organização da indústria de cimento e a exploração do trabalho, as formas de articulação entre o trabalho doméstico, artesanal e fabril na indústria de calçados, etc.
Na FCPyS, além de acompanhar a formação de um grupo de estudantes, eu ministrava regularmente a disciplina História Mundial Contemporânea, que, ampliada para três semestres, convocou um número crescente de alunos, rompendo - ao reunir até trezentos - o esquema de divisão de turmas vigente. Ao invés de optar pela limitação da matrícula, que frustraria, a meu modo de ver, os estudantes, preferi recorrer ao sistema que utilizara em Brasília, baseado em aulas maiores e menores, valendo-me de uma equipe de ajudantes e monitores que, em seus melhores momentos, somou sete pessoas. Os resultados foram amplamente satisfatórios, influenciando a reorganização pedagógica da Faculdade. Na Divisão de Pós-graduação, eu dirigia, resularmente, um seminário para alunos de mestrado e doutorado, na Area de Estudos Latino-Americanos, que tinha como finalidade ajudar os estudantes a definir seus temas de pesquisa e assessorá-los em seu desenvolvimento, independentemente de que fossem ou não orientandos meus.
A título de retribuição ao interesse e atenção de que havia sido objeto, quando me encontrava no Panamá, atendia, nesse período, a diversos convites de fora da FCPyS, realizando cursos e seminários, a nível de graduação e de pós-graduação, no Colégio do México; na Faculdade de Filosofia, no Instituto de Investigaçoes Econômicas e na Escola de Economia, da UNAM; na Escola Nacional de Antropologia e História e na Universidade Autônoma Metropolitana - Ixtapalapa. Entretanto, a par de minhas atividades regulares na FCPyS, a responsabilidade docente mais significativa que assumi deu-se, a partir de 1977, na Divisão de Pós-graduação da Escola Nacional de Economia, onde respondi pelo seminário-oficina de Economía Política no mestrado e orientei teses, a esse nível e ao de doutorado. Atendi, também, nesse período, de forma mais ou menos regular, a Escola de Economia, da Universidade de Zacatecas, e a convites das universidades de Guerrero, Guadalajara e Baja California, para cursos breves ou para integrar bancas de concurso para professor.
Em relação à minha atividade docente, cabe, finalmente, mencionar a direção de teses de pós-graduação, que conduziram à defesa de quatro teses de doutorado e cinco de mestrado, por parte de estudantes que eram ou ainda são professores e pesquisadores no México, no Brasil, na Argentina e em Porto Rico. Algumas foram interrompidas - como as de dois alunos nicaraguenses, do mestrado em Economia da UNAM, que regressaram a seu país, a fins dos 70, para incorporar-se ali ao processo revolucionário-. Outras saíram da meu raio de ação, devido principalmente a meu afastamento progressivo do México, a partir de 1982, destacando-se, entre elas, a tese de doutoramento de Jaime Osório Urbina, no Colégio do México, sobre o Estado chileno, e outras em que a minha participação foi menor, ficando mais a nível de definição do objeto e de desenho da pesquisa.
Desde 1975, eu reassumira minhas atividades jornalísticas, priorizando sempre as questôes latino-americanas, no suplemento dominical do jornalExcelsior, dedicado a assuntos internacionais. Não me sentia bem ali: além de ser praticamente o único articulista local, o resto do suplemento compreendendo em geral traduçôes de matérias de agências e periódicos estrangeiros, o jornal tomava demasiada liberdade com meus textos, não no conteúdo, mas em relação a títulos, subtítulos e ilustraçôes. Isso podia mesmo corresponder a uma forma velada de censura, como ocorreu com o artigo que intitulei "Crisis política en Francia: El movimiento de conscriptos y la cuestión de la seguridad", o qual (provavelmente para não incomodar os militares) publicou-se com o título "Inconveniente, gastar más de lo que se tiene".
Assim -não estou certo se aproveitando-me também de uma crise no jornal, motivada pela saída de Julio Scherer da direção- aceitei, em 1976, um convite de El Sol de México, que convocava intelectuais mexicanos e estrangeiros para conformar uma nova e brilhante página editorial. Entretanto, após breve período, um problema surgido ali com companheiros mexicanos, que foram objeto de censura, motivou minha saída. Passei a colaborar, então, semanalmente em El Universal, onde me senti inteiramente à vontade, escolhendo livremente meus temas e sem sofrer qualquer interferência nos textos apresentados; dele só vim a me afastar em 1980, quando as viagens ao Brasil e a perspectiva de um possível regresso levaram-me a começar a me desprender de minhas responsabilidades habituais.
Dessa linha de trabalho, destacam-se três artigos que publiquei, em 1976, em El Sol, sobre a política dos Estados Unidos para a América Latina, que se anunciava com James Carter, os quais foram refundidos e republicados por NACLA, no ano seguinte, com o título "A New Face for Counterrevolution". Neles, eu indicava o deslizamento da ênfase norte-americana da doutrina clássica da contra-insurgência, que incentivara os golpes mmilitares na região, para formas de democracia limitada, que Samuel Huntigton chamava de "democracias governáveis" e o Departamento de Estado de "democracias viáveis". Combinando isso com a análise das tendências que, embora tenuemente, se delineavam no Brasil e em outros países latino-americanos, eu previa a substituição das ditaduras militares e os processos de redemocratização. Estes, apesar de começarem com cartas marcadas, buscando a construção de um Estado de quatro poderes (com um poder tutelar, a ser exercido pelas Forças Armadas, superposto aos três poderes da democracia burguesa representativa), abriam, a meu ver, amplo espaço à mobilização das forças populares e exigiam da esquerda uma readequação política radical.
Em breve viagem a Paris, em fevereiro de 1977, expus esse ponto de vista, em um seminário de intelectuais de esquerda latino-americanos, provocando um rechaço que raiava a indignação. Especial impacto causou a exaltada intervenção de Frank, destinada, segundo disse, a "fazer a defesa de Ruy Mauro Marini contra Ruy Mauro Marini". Tempus est optimus judex. De forma mais elaborada, desenvolvi essa tese na intervenção que fiz numa mesa redonda do Núcleo de Estudos do Caribe e da América Latina (NECLA), do México, da qual participaram Agustín Cueva, Theotônio e Pío García, sendo o debate publicado em Cuadernos Políticos, nesse mesmo ano, e no ensaio "La cuestión del Estado en las luchas de clases en América Latina", que, em 1979, levei à conferência que, anualmente, os iugoslavos promoviam em Cavtat. O texto de Cavtat saiu em várias publicaçoes, entre elas Socialism in the World, revista multilingüe iugoslava; Monthly Review en Castellano (Barcelona); Cuadernos del CELA (UNAM); Boletín de la Asociación Latinoamericana de Información(ALAI), sendo, finalmente, incluído no reading editado pela Universidade Autônoma Metropolitana, do México, El Estado militar.
Empenhando-me em sua divulgação, retomei a idéia, nas conferências que pronunciei, no curso promovido pela Escola Interamericana de Administração Pública, no Rio, em 1980, e na Escola Superior de Administração Pública, em Bogotá, em 1981. Ela fundamentou, também, a minha intervenção sobre a América Central, na IV conferência Anual sobre o Caribe e a América Latina, realizada pelo Instituto Hudson, em Nova Iorque, em 1981. O texto referente a esta última, além de publicar-se em revistas do México e do Peru, faz parte de Strategies for the Class Struggle in Latin Americareading publicado pela editora Synthesis, de São Francisco.
O espaço privilegiado para o desenvolvimento dessa temática foi o Centro de Informação, Documentação e Análise do Movimento Operário na América Latina (CIDAMO), entidade autônoma que, em 1977, eu fundara, no México, com o apoio de Cláudio Colombani, e que dirigi até 1982. Ali se congregaram jovens e brilhantes intelectuais de toda a América Latina, destacando-se o chileno Jaime Osório, o mexicano Luís Hernández Palacios, o peruano-hondurenho Antonio Murga e o argentino Alberto Spagnolo, além de ex-alunos meus da UNAM e universitários e militantes provenientes de países onde a inteligência estava proscrita, em particular El Salvador, Guatemala e a Nicaragua somozista. Com o apoio de fundações social-democratas e cristãs da Europa e do Canadá e contando com a dedicação dos que, por sua inteligência e seriedade, foram os pilares do Centro -Francisco Pineda, Maribel Gutiérrez e Lila Lorenzo (que os amigos continuamos a chamar por Antonia, seu nome político no Chile)- foi possível constituir uma boa documentação especializada e, mediante trabalho quase sempre não remunerado, formar equipes dedicadas à análise de conjuntura -que se tornou o ponto forte do Centro.
De maneira apenas parcial, dada a insuficiência de recursos para esse fim, o resultado do trabalho pode apreciar-se - além do livro Análisis de los mecanismos de protección al salario en la esfera de la producción, fruto de uma pesquisa realizada por Adrián Sotelo e Arnulfo Arteaga e coordenada por mim, a pedido da Secretaria do Trabalho mexicana - na revista CIDAMO Internacional e na publicação não-periódica Cuadernos de CIDAMO. Nesta última, que individualizava os autores, publiquei três textos: Proceso de trabajo, jornada laboral y condiciones técnicas de producción, em colaboração com Arnulfo Arteaga e Adrián Sotelo, com base na tese de graduação por estes realizada, e que apresentamos no simpósio internacional sobre Internacionalização do capital, processo de trabalho e classe operária, promovido pela UNAM, em 1980 - texto esse que foi republicado pela revista mexicana Teoría e política e incluído no reading da UAM sobre El proceso de trabajo en México, em 1984-; Sobre el patrón de reproducción del capital en Chile, escrito em 1980, para fins de discussão com companheiros chilenos exilados em Cuba e Crisis, cambio técnico y perspectivas del empleo, apresentado no simpósio internacional que se realizou em Medellín, em 1982, sobre A problemática do emprego na América Latina e na Colômbia.
Em CIDAMO, num marco de trabalho coletivo, desenvolvi, ainda, outras linhas complementares de pesquisa. Uma delas, referida à situação internacional, centrou-se nas condiçôes e conseqüências da passagem do sistema mundial de poder da bipolaridade à multipolaridade; o resultado dessa reflexão verteu-se, principalmente, nas análises de Cidamo Internacional. Outra tinha como objeto as características da crise econômica mundial e suas implicaç es para a América Latina, preocupando-se particularmente com os efeitos das novas tecnologias nas condiçôes de trabalho; abordei o tema no paper que apresentei ao IV Congresso de Economistas do Terceiro Mundo, em Havana, em 1981 (publicado em varias revistas e incorporado ao reading organizado por Sofía Méndez Villarreal para o Fundo de Cultura Econômica, La crisis internacional y la América Latina), e voltei a ele nas conferências que fiz, nesse ano, na Universidade de Lisboa e na Universidade Nacional da Colômbia, assim como em minha intervenção no encontro internacional sobre As Opç es da América Latina ante a Crise, realizado em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, em 1983, sob o patrocínio do ILDES.
Uma terceira linha de reflexão girou em torno aos rumos do socialismo mundial, tendo em vista a crise da esquerda européia, na segunda metade dos 70, e a questão polonesa, em 1980 (sobre a qual cheguei a publicar alguns artigos menores, em Cidamo Internacional e em El Universal). Em cursos e conferências -na UNAM, em Cidamo, na Colômbia, em Cuba, no Canadá- comecei a desenhar uma reinterpretaçào do processo histórico do socialismo, que retomava, de certo modo, o tratamento que eu lhe dera, no Chile, no curso sobre a teoria das revoluçoes, apontando para a necessidade de situar o socialismo na perspectiva histórica das lutas de classes nacionais e internacionais, incluindo as que correspondiam à América Latina; o único texto existente, a esse respeito, e que só de longe dá uma idéia do estado de minha investigaçào, é o compte-rendu de minha intervenção na Conferência sobre Movimentos Sociais e Mudança Social na América Latina, realizada em Toronto, em 1982, o qual, com o título de "Revolution in Latin America during the 80s", incluiu-se no reading de Two Thirds Editions, Social Movement, Social Change: The Re-Making of Latin America.
Contudo, o centro, por excelência, de minhas pesquisas continuou sendo o desenvolvimento capitalista latino-americano e o modo como era percebido e influído pelo processo teórico. Recorrendo ao conceito de padrão de reprodução do capital, que eu trabalhava em Cidamo, vazei em novo molde a exposição desse desenvolvimento, nos cursos que realizei, entre 1981 e 1983, para o Programa Centro-Americano de Mestrado em Economia, em Tegucigalpa, e para o doutorado em Ciência Política da Universidade de Montreal, nesta cidade, assim como na série de conferências que pronunciei, por essa época, no Centro de Estudos sobre a América, em Havana. Paralelamente, submeti outra vez à crítica a teoria desenvolvimentista da Cepal e, passando pela teoria da dependência, as correntes endogenista e neo-desenvolvimentista (que se completavam, no plano político, com o neo-gramscianismo então em voga). Isto correspondia à minha preocupação em desentranhar a matriz teórica das políticas econômicas mais ou menos liberais que começavam a aplicar-se na região e que haviam tido o Chile como laboratório - preocupação que estava presente nas conferências sobre Keynes e Friedman que pronunciei, em 1981, em Bogotá. Aparte o estudo sobre o padrão de reprodução capitalista no Chile, já mencionado, os resultados desse trabalho não foram além de minhas notas e das discuss es internas de Cidamo, mas se refletiram nos cursos e conferências que realizei em Nova Iorque e em Salvador (Bahia), assim como em Tegucigalpa, Montreal e Havana, nesse período. De resto, esse trabalho, assim como o que se refere à crise do socialismo, continuou a me ocupar, depois do meu regresso ao Brasil, em 1984.
Em relação às questôes teóricas colocadas pela Dialéctica de la dependencia, eu as retomei, nesse terceiro exílio, em três níveis: o ciclo do capital na economia dependente, a transformação da mais-valia em lucro e o subimperialismo. No que se refere ao ciclo do capital, a investigação partiu da relação circulaçào-produção-circulação, aplicando-a, primeiro, às mudanças da economia brasileira, a partir do primeiro choque do petróleo; objeto de intervenção no II Congresso Nacional de Economistas do México, em 1977, que consta da Memória do evento, o texto evoluiu para o ensaio "Estado y crisis en Brasil", publicado por Cuadernos Políticos. E, em seguida, no plano da teoria geral, analisei, à luz dessa relação, o movimento da economia dependente no contexto do ciclo do capital-dinheiro; esse foi o tema da conferência pronunciada em um seminário sobre a questão agrária e sua relação com o mercado, cujo texto se incluiu em Mercado y dependencia, um reading publicado em 1979.
Em 1977, findo o meu período como Professor Visitante, prestei, na FCPyS, concurso para Professor Titular B, na área Histórico-Social - o que implicava prova de títulos, prova escrita e prova oral. Para a prova escrita, foi sorteado um tema relativo à América Latina e a economia mundial, cabendo-me elaborar uma dissertação - que, para fins de publicaçào, intitulou-se "La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo". Nele, me preocupei com desfazer os equívocos que pesavam sobre o conceito de subimperialismo, para o que, enfatizando a sua dimensão econômica, indiquei que ele aponta para um processo de diferenciação e hierarquização da periferia capitalista (fato de que, a seu modo, dão conta as próprias Naçoes Unidas, com seu conceito denew industrialized countries ou NIC).
Além de rebater algumas críticas que me eram feitas -como a de Pierre Salama, para quem eu errava ao preferir a fórmula D-M-D'à fórmula P...P, quando, na realidade, esta última não permite captar todo o movimento de circulação da mais-valia- eu abordava, ali, de passada, o aspecto político, em polêmica com José Agustín Silva Michelena, 1976 - que descartava o conceito de subimperialismo em favor do de potência média, o qual não apreende adequadamente a dimensão econômica do fenômeno. Não haver aprofundado a análise nessa direçào, desenvolvendo as indicaçoes que dou ao final do ensaio, foi um erro, já que isso permitiu que ele continuasse sendo confundido com o conceito de satélite privilegiado (que ganharia novos brios, com a publicação dos livros de Trías, 1977, e Schilling, 1978), abrindo, ademais, caminho para elaboraçoes como a de Castañeda, 1980, para quem esses países intermédios eram países imperialistas (no que repetia o equívoco insinuado por Martins, 1972). Aprovado no concurso, fui, após dois anos de exercício, promovido a Titular C, por concurso interno.
Desde 1977, eu era, também, Professor Visitante da Escola Nacional de Economia, Divisão de Pós-Graduação, o que levou a que, em 1980, eu devesse prestar concurso público para Professor Titular C, na área de Economia Política. Embora, naquele momento, eu já não pretendesse continuar na ENE, pareceu-me necessário cumprir o requisito, razão pela qual me apresentei como candidato e, uma vez aprovado, renunciei. A dissertação que ali me coube elaborar referia-se aos esquemas de reprodução do Livro II, de O Capital, havendo a banca solicitado que eu considerasse a sua utilização por autores latino-americanos.
O texto que daí resultou - publicado, por Cuadernos Políticos, como "Plusvalía extraordinaria y acumulación de capital" - está dividido em três seçôes. Na primeira, exponho os esquemas e, entrando na polêmica que eles suscitaram em diferentes momentos da história do marxismo, busco mostrar a finalidade específica que cumprem na construçào teórica de Marx - a demonstração da necessária compatibilização das magnitudes de valor produzidas nos distintos departamentos da economia - e analiso as três premissas que tanta discussão causaram: a) a exclusão do mercado mundial, b) a existência de apenas duas classes e c) a consideraçào do grau de exploraçào do trabalho como fator constante. Na segunda, parto da variação desse último fator, examinando os efeitos de mudanças na jornada, na intensidade e na produtividade sobre a relação valor de uso-valor e sobre a distribuição. Na terceira seção, verifico o uso dos esquemas por três autores: Maria da Conceição Tavares, s/d., Francisco de Oliveira e Mazzuchelli, 1977, e Gilberto Mathias, 1977, mostrando que a primeira, além de não romper de fato com o esquema tradicional cepalino (agricultura - indústria - Estado), confunde valor de uso e valor; os segundos, captando com agudeza a contradição moeda nacional - dinheiro mundial, acabam por se fixar apenas no movimento da circulação; e o terceiro, que nos brinda com uma brilhante análise sobre o papel do Estado na determinação da taxa de lucro, se esquece de considerar a relação lucro - mais-valia (retomamos essa discussão no México, naquele ano, ocasiào em que Mathias admitiu ter-se equivocado na crítica que me fazia, em seu trabalho, a respeito da superexploração do trabalho). Esse ensaio -provavelmente, o menos conhecido dos meus escritos- é um complemento indispensável a Dialéctica de la dependencia, na medida em que expressa o resultado das investigaç es, que eu começara no Chile, sobre o efeito da superexploraçào do trabalho na fixação da mais-valia extraordinária.
Além de breve incursão à questão da educação superior no Brasil - de que resultou o texto "Universidad y sociedad", escrito em colaboraçào com Paulo Speller, com a participação de Guadelupe Bertussi e Geralda Dias, e publicado pela Revista de Educación Superior, no México, assim como, em inglês, por um instituto de Toronto -resta-me mencionar, entre os trabalhos escritos no México, a resposta ao artigo de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, "Las desventuras de la dialéctica de la dependencia", que intitulei "Las razones del neodesarrollismo" (pensei em chamá-lo "Porqué me ufano de mi burguesía", ironia que Cardoso e Serra faziam por merecer); artigo e resposta se publicaram em edição especial da Revista Mexicana de Sociología, a fins de 1978.
O artigo tinha duas motivaçôes. A primeira era o antigo desentendimento com Cardoso, que ele expusera em vários trabalhos, e que eu respondera parcialmente no posfácio à Dialéctica de la dependencia e no prefácio de 1974 a Subdesarrollo y revolución. A segunda era a clara preocupação dos autores com a anistia política que se aproximava e que poderia abrir-me espaço no Brasil. É, sem dúvida, a coisa mais grosseira que já se escreveu contra mim, o que me forçou -deixando de lado certa indiferença que sempre senti pela sorte dos meus escritos- a fazer uma réplica em forma. Tarefa, de resto, não muito difícil: pretendendo situar-se no terreno do marxismo, o ataque não consegue ir além do instrumental teórico ricardiano (autor que Serra certamente estudara, em seu curso de doutoramento recém concluído), confundindo, portanto, valor de uso e valor, assim como lucro e mais-valia, ao mesmo tempo que -preocupado em combater teses estagnacionistas que eu, supostamente, teria defendido- incorre em grotesca apologia do capitalismo brasileiro. A polêmica teve grande difusão no exterior, não parecendo ter sido ali alcançada a desqualificação visada pelos autores do ataque, à diferença do Brasil, onde minha resposta sequer foi publicada.
Com a decretação da anistia política, em 1979, pude vir, em dezembro, ao Brasil, depois de quatorze anos. Continuei, entretanto, ligado ao México, com breves visitas ao país, em 1982 (quando fui tomado novamente preso, por quase três dias) e, em licença sabática, a fins de 1983 e princípios de 1984. No segundo semestre desse ano, decidi voltar de vez, embora só em dezembro renunciasse ao meu cargo, na UNAM. Chegava ao fim o meu exílio, que durara quase vinte anos.

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